Ameaças à Soberania: um panorama sobre a atuação de empresas globais sem sede jurídica no Brasil

Autor: Rodolfo Guimarães Vieira da Silva, estudante de Direito, especializando-se em Direito Digital, Especialista Sênior em Análise, Comunicação de Dados e Gestão de TI.

Introdução

A globalização e o avanço tecnológico proporcionaram uma expansão sem precedentes de empresas multinacionais que operam serviços digitais em escala global. Muitas dessas empresas atuam em países onde não possuem sede física, o que tem gerado uma série de desafios legais, especialmente no que diz respeito ao cumprimento de ordens judiciais. A soberania dos Estados está diretamente vinculada à sua capacidade de impor suas leis e decisões judiciais, mas a ausência de uma representação jurídica local inviabiliza, em muitos casos, a execução de ordens emitidas pelo judiciário, criando um vácuo de responsabilidade e um espaço de atuação quase irrestrito para essas corporações.

A globalização e o avanço tecnológico proporcionaram uma expansão sem precedentes de empresas multinacionais que operam serviços digitais em escala global. Muitas dessas empresas atuam em países onde não possuem sede física, o que tem gerado uma série de desafios legais, especialmente no que diz respeito ao cumprimento de ordens judiciais. A soberania dos Estados está diretamente vinculada à sua capacidade de impor suas leis e decisões judiciais, mas a ausência de uma representação jurídica local inviabiliza, em muitos casos, a execução de ordens emitidas pelo judiciário, criando um vácuo de responsabilidade e um espaço de atuação quase irrestrito para essas corporações.

O cenário jurídico brasileiro enfrenta um dilema peculiar com a crescente atuação dessas empresas. A Constituição Federal de 1988 assegura, em seu art. 1º, IV, os princípios da soberania e dignidade da pessoa humana, enquanto o art. 5º, XII, garante a inviolabilidade da privacidade, dados e comunicações. Entretanto, a dificuldade de responsabilizar empresas globais, como as gigantes tecnológicas, evidencia um conflito entre a proteção desses direitos fundamentais e a realidade jurídica imposta pela ausência de uma sede local. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018), embora traga mecanismos de proteção à privacidade, enfrenta desafios na aplicação quando tais empresas se recusam a cooperar ou não possuem representação no Brasil.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e outros tribunais brasileiros têm reiteradamente enfrentado situações em que essas corporações descumprem ordens judiciais sob o pretexto de não estarem sujeitas à jurisdição nacional. Em decisões como no REsp nº 1.614.508/RS, o STJ tratou da possibilidade de bloqueio de serviços de empresas que não cumprem ordens judiciais relativas à quebra de sigilo de dados, apontando para a importância de se impor restrições mais severas em defesa da soberania nacional. Contudo, a falta de uma cooperação internacional eficaz e de tratados específicos que obriguem essas empresas a respeitar as decisões judiciais locais agrava a fragilidade do sistema jurídico brasileiro.

Diante desse panorama, torna-se essencial debater a criação de mecanismos jurídicos mais robustos para lidar com as empresas globais que atuam no país sem sede local. Soluções como a imposição de multas diárias, o bloqueio de serviços ou a criação de um marco legal internacional, em consonância com o Direito Internacional Público, que obrigue tais empresas a respeitarem as leis e as decisões dos países em que atuam, são medidas urgentes para resguardar a soberania e os direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros. O Brasil, ao lado de outras nações, precisa reafirmar sua soberania jurídica no cenário digital global.

Análise: Crimes e Penas Aplicáveis

Na medida em que essas empresas descumprem ordens judiciais, violam a privacidade dos usuários e atentam contra a soberania estatal, é possível enquadrá-las em diversos crimes previstos no Código Penal Brasileiro, como o descumprimento de ordem judicial (art. 330) e o crime de desobediência (art. 359). Além disso, há violação aos direitos humanos e à privacidade, resguardados tanto pela Constituição Federal quanto por tratados internacionais, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil.

Em âmbito internacional, empresas que se recusam a colaborar podem ser sancionadas com base em legislações de proteção à privacidade, como o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia, e submetidas a sanções econômicas e restrições de atuação em diversos mercados. No Brasil, além da aplicação de multas com base na LGPD, o bloqueio de serviços e a responsabilização dos executivos que se recusam a atender as decisões judiciais podem ser instrumentos efetivos de repressão.

Por fim, o desrespeito contínuo a decisões judiciais configura, em última análise, um atentado ao Estado Democrático de Direito, podendo caracterizar, dependendo da gravidade e impacto, crimes contra a segurança nacional e a ordem constitucional, nos termos da Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/1983), agora substituída pela Lei nº 14.197/2021. O Brasil, diante desses desafios, deve continuar fortalecendo sua legislação e buscando cooperação internacional para assegurar que sua soberania não seja minada pela atuação de empresas globais que ignoram as leis locais.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.
BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 ago. 2018.
BRASIL. Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983. Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 dez. 1983.
BRASIL. Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021. Revoga a Lei de Segurança Nacional e define crimes contra o Estado Democrático de Direito. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 set. 2021.
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 dez. 1940.
CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (Pacto de San José da Costa Rica). 1969. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 nov. 1992.
EUROPEAN UNION. General Data Protection Regulation (GDPR). Regulation (EU) 2016/679 of the European Parliament and of the Council of 27 April 2016. Official Journal of the European Union, L119, 4 May 2016.
FARIA, José Eduardo. Globalização, Direito e Soberania. São Paulo: Editora Atlas, 2010.
MENDONÇA, Ana Cláudia; MOREIRA, Sérgio Sérvulo da Cunha. Soberania e Globalização: Impactos e Desafios Jurídicos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.
PINTO, Antônio José Avelãs Nunes. A Nova Ordem Jurídica Internacional e a Soberania dos Estados. Coimbra: Almedina, 2018.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº 1.614.508/RS. Rel. Min. Edson Fachin. Brasília, DF, 2020. Disponível em: https://stf.jus.br. Acesso em: 29 ago. 2024.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Agravo em Recurso Extraordinário nº 1.037.761/SP. Rel. Min. Rosa Weber. Brasília, DF, 2019. Disponível em: https://stf.jus.br. Acesso em: 14 set. 2024.
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. O Direito Internacional em um Mundo em Transformação. São Paulo: Malheiros, 2007.